QUEM SURGIU PRIMEIRO:
O OVO OU A GALINHA?

Essa questão é uma alegoria que transcende sua simples interpretação biológica, podendo ser chamada de paradoxo cíclico de causa e efeito, ou seja, algo de cuja existência depende outra, que por sua vez é a causa da existência de algo, tal como: "O que surgiu primeiro: O Ser Humano ou a Cultura Humana?"

Mas interpretando-a de forma mais literal, é curioso que Criacionismo e Evolucionismo apresentam respostas claras e divergentes, diferente do senso comum que normalmente vê a questão como sem solução.

Pela Bíblia, tudo leva a crer que a Galinha, assim como os outros animais ovíparos, passou a existir em primeiro lugar, no ato da Criação, já com a capacidade de botar ovos. Portanto, pelo ponto de vista Criacionista temos a Galinha como antecessora do Ovo.

Pelo ponto de vista Evolucionista, sabemos que ocorreu todo um processo de evolução até que determinados animais que já nasciam de ovos, viessem a se transformar nas aves, incluindo o animal que mais tarde, graças a intervenção humana, viria a constituir em nossa conhecida Galinha. Sendo assim, o Ovo, por ser mais antigo na natureza, antecede a Galinha, e mesmo às aves, os dinossauros e peixes, tendo evoluído simultâneo às espécies como elemento integrante do sistema reprodutor.

Ovos e Galinhas podem render bastante discussão entre Criacionistas e Evolucionistas.

Em palestras do Dr. Duane T. Gish em Brasília, minha cidade, que tive o prazer de acompanhar, o bem humorado criacionista fez uma brincadeira com a idéia do Super Átomo Primordial que seria matriz do Big Bang, chamando-o de "Ovo Cósmico". Alegando então que ninguém sabe dizer exatamente de onde teria vindo este "Ovo", ironizou que alguns sugeriram uma "Galinha Cósmica".

Não sei se outros pensaram assim mas me veio imediatamente a idéia de que chamaram Deus de Galinha. O que poderia até fazer um certo sentido, talvez Deus viva percorrendo o UNIVERSO chocando Universos por toda parte.

Brincadeiras à parte, o que pretendo abordar aqui é na verdade as alegações criacionistas de que não haveriam evidências para espécies transicionais ancestrais das aves. A maioria dos Criacionistas insiste que o Evolucionismo propõe surgimentos bruscos de espécies novas, ou seja, que de repente de um ovo de réptil tivesse surgido a primeira ave, completa, como as conhecemos hoje. Alguns inclusive, num espírito satírico, dizem que deve ter sido um tremendo susto para a mamãe réptil ter tido um filhote ave!

Curiosamente o surgimento das aves talvez seja o capítulo da Evolução mais bem documentado pela evidência fóssil, só perdendo talvez para a evolução Humana. As aves evoluiram, agora já se sabe, diretamente dos dinossauros, como vários fósseis transicionais demonstram, e as descobertas mais recentes que levaram a essa conclusão alteraram radicalmente e em poucos anos o modo como concebemos os grandes "répteis" do passado.

Tomei como base para este texto a brilhante reportagem da Scientific American de Abril de 2003, que apresenta a matéria de capa "Penas de Dinossauros".

QUE "PENA" PARA SPIELBERG

Se o famoso filme Jurassic Park fosse refilmado hoje de acordo com as novas descobertas teria que sofrer alterações drásticas, principalmente pelo fato que muito provavelmente os dois grandes astros digitais do filme, o Tiranossaurus Rex e o Velociraptor, teriam que ser recobertos de penas!

Quanto ao Velociraptor isso já é praticamente certo. A presença de penas em algumas espécies de dinossauros clareou ainda mais as suas relações com as aves, e a descoberta de fósseis mais recentes permitiu montar um quadro bem mais claro dos estágios evolutivos que levaram ao surgimento das aves.

Antes o Arqueopterix era o melhor exemplo de fóssil transicional entre dinossauros e aves, agora perdeu esse lugar para o Microraptor, descoberto em 2002 na China, e que apresentava 4 asas, ou seja, tinha não só braços mas também pernas aladas.

Mas o Microraptor e o Arqueopterix são apenas dois entre dezenas de exemplos documentados por evidência fóssil de espécies que possuem tanto características de Dinossauros, que ainda consideramos répteis, quanto de aves. Muitas destas espécies eram muito provavelmente dotadas da habilidade de planar, um pré-vôo, assim como o são muitas das espécies atuais mais exóticas encontrados em locais mais remotos do mundo.

Assim, além destes, criaturas como o Sinornithossauro ou o Enantiornithines são o que podemos chamar de Espécies Intermediárias entre Dinossauros (répteis), e Aves. As mesmas espécies intermediárias, ou Transicionais, que os Criacionistas insistem em dizer que nunca existiram.

QUE "PENA" PARA O CRIACIONISMO

Um dos baluartes argumentativos do Criacionismo contra a Evolução é alegar a ausência de fósseis transicionais, ou seja, que representam animais que reuniam características de dois grupos diferentes, no caso, Répteis e Aves.

Pelo Evolucionismo, a Aves teriam evolúido dos Répteis, havendo então uma continuidade entre essas duas classes de animais. Porém, os animais intermediários estão extintos, razão pela qual as duas classes parecem bastante separadas uma da outra. Os répteis seriam a classe mais antiga, tanto que se encontram fósseis de mais de 65 milhões de anos, o que não ocorre com as aves, cujos fósseis são bem mais recentes.

Desde Darwin, previu-se que fósseis destas espécies deveriam ser encontrados, o que confirmaria fortemente a teoria. E aqui está o pomo da discórdia, pois a existência destes fósseis é de vital importância.

A absoluta maioria da comunidade científica não tem nenhum resquício de dúvidas em afirmar que centenas fósseis transicionais incluindo entre répteis e aves já foram encontrados, estudados e catalogados, constituindo confirmação inegável da Teoria da Evolução.

Descobertas recentes feitas na China presentearam os cientistas com diversas espécies intermediárias que permitem agora uma visão muitíssimo mais clara do processo evolutivo

Mas não é assim que pensam os Criacionistas, que simplesmente negam essas evidências com um curioso argumento de Descontinuidade.

O ARGUMENTO DA DESCONTINUIDADE

Havendo ligação transicional entre Répteis e Aves, a evolução é confirmada, mas caso Aves e Répteis estejam isolados, sem uma ligação contínua de espécies entre eles, a Teoria da Evolução ainda não teria sido confirmada pela evidência fóssil. Dessa forma, para evitar admitir a confirmação da Teoria, os Criacionistas alegam que os fósseis encontrados são Aves, OU são Répteis, pertencendo a uma classe ou outra, e não a um estágio intermediário.

É preciso recorrer então aos motivos que levam-nos a classificar as Aves e Répteis de hoje em classes distintas. Vamos citar apenas 3 características de cada grupo.

AVES: Tem penas, são bípedes, tem bico (não tendo dentes, ou tendo dentes minúsculos).

RÉPTEIS: Tem pele escamosa ou rugosa (não tendo penas), são quadrúpedes ou ápodes (cobras), tem dentes.

Não há exemplos vivos que desafiem essa classificação abertamente. Não se conhece aves que andem em 4 patas ou répteis com penas, porém, os fósseis das espécies transicionais claramente reúnem em um mesmo animal algumas destas característias, além de várias outras mais sutis.

O famoso Arqueopterix por exemplo, assim como outras espécies extintas já descobertas, apresenta penas e dentes. Não se conhece atualmente aves com dentes grandes como os do Arqueopterix. Mas algumas destas espécies extintas inclusive apresentam uma curiosa mistura de Bico e Grandes Dentes, bem como escamas e penas.

O Microraptor apesar das penas é claramente quadrúpede, ou ao menos predominantemente, tal como um esquilo, podendo ficar em pé sobre as patas traseiras, mas andando em 4 patas.

E o mais curioso, é que os próprios Dinossauros, apesar de seu nome originalmente significar "Répteis Terríveis", eram em grande quantidade bípedes!

É claro que o Criacionista tem todo o direito de alegar que todas essas criaturas deveriam ser enquadradas na classe dos "Dinossauros", que não seriam exatamente Répteis nem Aves. Como analogia frequentemente cita-se o Ornitorrinco, que apesar de ter mamas e bico, não é necessariamente uma espécie intermediária entre Aves e Mamíferos.

Sem entrar no mérito sobre os Ornitorrincos, basta lembrar que esta é uma espécie encontrada num continente bastante afastado da Eurásia e África, onde, como prevê a Teoria da Evolução, as espécies tenderiam a se diferenciar das espécies de outros continentes, percorrendo caminhos evolutivos imprevisíveis.

Porém a maior parte dos fósseis encontrados, bem como répteis e aves do presente, vieram de um mesmo continente, tendo inclusive coexistido durante algum tempo. Além disso, diferente do Ornitorrinco ou da Équidna, há tantos fósseis que misturam caracteristicas de répteis e de aves que é possível ordená-los numa ampla escala transitiva.

Cientistas evolucionistas separaram dezenas de espécies extintas mas com evidências fósseis em 5 Estágios transitivos, onde pode-se notar uma maior presença de características de aves a medida que se avança na escala.

As penas desepenham uma papel importante nessa escala, sendo bastante rústica como um mero cone oco, e similares a escamas, no Estágio 1, onde há exemplares como o Allossauóides, mas se tornando cada vez mais elaboradas até que no Estágio 5, onde está o Arqueopterix, já são bastante parecidas com as penas das aves atuais.

Mas a capacidade sofistmática humana é ilimitada, e razão é meramente uma espada que pode ser usada para qualquer fim. Os criacionistas podem muito bem alegar a hipótese razoavelmente válida de que todas essas espécies estão isoladas umas das outras, tendo surgido separadamente num ato de criação Divina ou mediante Avançada Tecnologia Alienígena Extraterrestre.

Evidentemente, trata-se de uma hipótese não testável, que sempre poderá alegar a descontinuidade não importa quantas fases de transição possamos demonstrar. Esse mesmo argumento poderia alegar que as cores Vermelha e Amarela nada tem haver uma com a outra, sendo fenômenos descontínuos, enquanto outros dizem que elas fazem parte de um mesmo espectro originado da Luz Branca. Se então lhes mostrarmos como prova de que elas fazem parte do mesmo fenômeno, a existência da cor Alaranjada, ele simplesmente dirão que esta é apenas uma outra cor isolada, e se mostrarmos um Alaranjado Avermelhado, bem como um Amarelo Alaranjado, poderão alegar que são outras cores distintas.

Portanto, o argumento da Descontinuidade é um tipo de Tautologia, uma afirmação que se mostrará verdadeira em qualquer situação. Havendo evidências fósseis transicionais ou não, o Argumento funciona do mesmo jeito, havendo níveis de cor intermediário entre Vermelho e Amarelo ou não, não faz diferença.

Poderíamos mostrar um milhão de espécies intermediárias cronologicamente ordenadas entre o Euornithes, possivelmente a espécie transicional do Estágio 5 mais próxima de aves atuais, e um Tucano, que aliás é um tanto parecido. Mas não importa! Os Criacionistas simplesmente alegarão que são um milhão de espécies isoladas que não tem qualquer parentesco umas com as outras.

Não importa que mostremos que o DNA de cada uma dessas espécies é progressivamente similar. Eles podem alegar que espécies similares teriam DNAs similares porque Deus usou um padrão similar de criação, ainda que os DNAs compartilhem também falhas e lixo genético inúteis.

Não importa que mostremos um gradiente de mil cores entre o Vermelho e o Amarelo, como forma de demonstrar que todas fazem parte da mesma matriz de luz. Eles poderão alegar que são mil cores distintas que vêm de matrizes diferentes.

UM OVO DURO DE QUEBRAR

A máxima Criacionista de que jamais foram encontrados fósseis para confirmar a evolução é, SEM SOMBRA DE DÚVIDA, a mais gritante de todas as inverdades. Não só já foram achados inúmeros fósseis de espécies transicionais, como continua-se achando todos os meses, como as leituras de DNAs residuais ajudam a esclarecer a ligação entre essas espécies.

Mesmo assim os Criacionistas continuam a afirmar incansavelmente que jamais foram achados tais fósseis, é uma idéia fixa e insensível a qualquer argumento ou evidência. O motivo é até compreensível, pois cultivar essa ilusão é vital para eles.

A evidência fóssil é provavelmente a maior de todas as evidências da evolução, ela demonstra pouco a pouco os ramos perdidos da árvore evolutiva da vida, e fornece indicações de onde e como procurar novas pistas. Se dobrarmos a quantidade de evidências fósseis, o que é quase certo que irá ocorrer, é bem provável que a maior parte de todo o processo evolutivo ocorrido na Terra fique esclarecido. Com os avanços nos métodos de leitura do DNA, não demorará muito até conseguirmos traçar um desenho ainda mais preciso de como a vida se desenvolveu.

Mas nada disso irá mudar a opinião dos Criacionistas, eles estão encerrados numa visão de realidade determinada pela sua interpretação literal da Bíblia, recheada de apelos a eventos que não podem ser jamais verificados e que jamais deixaram vestígios. Vivem num mundo particular, restrito, e tão limitado quanto um Ovo, de couraça indestrutível a qualquer forma de evidência ou argumento.

Protegidos pela casca do argumento tautológico e infalseável da descontinuidade, eles podem viver tranquilos em seus domínios teológicos e quem sabe felizes em seu universo de poucos milhares de anos, na maioria dos casos, onde a própria história tem data marcada para terminar.

Quem quiser entretanto, pode sair de seu ovo, e descobrir um Universo muitíssimo maior, de bilhões de anos-luz de distância, com um futuro ilimitado pela frente, e abrindo as asas da mente, voar pelos ares do conhecimento e das possibilidades.

Marcus Valerio XR
Janeiro de 2004

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