A EVOLUÇÃO DO CRIACIONISMO

O Criacionismo, como tudo no universo, também evolui. Mas, diferente de muitas outras coisas que apenas mudam sem ter necessariamente algum parâmetro, há uma nítida característica na evolução criacionista. É que trata-se claramente de uma Evolução Darwiniana.

Ou seja, o Criacionismo está submetido aos mesmos princípios de Seleção Natural, Adaptação e Sucesso Reprodutivo que permeiam a evolução dos seres vivos. Em síntese, a evolução do criacionismo se dá no sentido de adaptá-lo, ou não, aos ambientes.

Ele já está muito bem adaptado em seu ambiente original, as igrejas, onde, embora continue tendo pequenas variações, não são estas significativas, de modo que um criacionista em seu ambiente religioso atual pode pensar praticamente da mesma forma que outro o fazia há um século atrás. Há distinções entre as religiosidades diferentes, bem como nichos mais ou menos específicos. O Criacionismo Tomista por exemplo, está restrito ao âmbito dos teólogos e filósofos que estudam as obras de São Tomás de Aquino. Mas com suas características sofisticadas e distinções aristotélicas de Ato e Potência, não poderia sobreviver no mero púlpito das igrejas intelectualmente mais simples, estando então adaptado somente aos redutos das universidades e círculos eruditos.

Se o Criacionismo menos sofisticado está confortável em seu ambiente religioso natural, para ser bem sucedido no mais amplo terreno político, educacional, jurídico e científico, o desafio adaptativo é muito mais complexo, pois desde o século XIX esse espaço passou a ser dominado por um sistema de pensamento muito mais bem adaptado ao novo ambiente intelectual e científico que surgia.

Assim as espécies de criacionismo foram reagindo de formas distintas de acordo com o ambiente, e sendo mais ou menos bem sucedidas. Na Europa, o criacionismo fora do âmbito religioso foi praticamente extinto, devido às condições locais, mais sofisticadas intelectualmente e mais internacionalizadas, não serem favoráveis a visões de mundo sectárias de congregações rurais.

A intelectualidade européia é multicultural, enquanto diversos pequenos países tem diversas religiões e idiomas, o ambiente acadêmico e científico permite uma universalidade que interliga as várias nações, ao mesmo tempo que goza de grande prestígio entre a população.

Já nos EUA ocorre a situação inversa.

Há um único grande país, com um único idioma. Embora seja dividido em estados com peculiaridades distintas, e principalmente polarizado em Norte e Sul, há muita similaridade entre diversos estados de cada região, que são contíguos e compartilham de identidades religiosas praticamente idênticas e sintetizadas numa bandeira comum reconhecível. No caso, o protestantismo sulista.

Além disso, os EUA sempre tiveram uma estranha cultura anti-intelectualista, cujo valor pelo conhecimento advém quase exclusivamente dos resultados tecnológicos por ele gerados, e não pela estética do saber em si, extremamente valorizada na Europa. Isso gerou a situação bizarra de que pessoas inteligentes e com potencial para desenvolver habilidades acadêmicas, científicas e intelectuais são marginalizadas e excluídas do convívio social, que por sua vez super valoriza os esportistas e alguns segmentos artísticos. (A ponto de por vezes algumas universidades serem mais acessíveis a jogadores de football americano do que a alunos estudiosos!)

Entre outras disputas regionais, os EUA apresentam tendências políticas e religiosas que podem ser Liberais ou Conservadoras. No século XIX o Cristianismo Liberal se aproximava da intelectualidade e da ciência, do abolicionismo, da independência das colônias, e de outras formas de conquistas em termos de liberdade e igualdade. Por sua vez, o Cristianismo Conservador preferia manter as coisas como eram, e disto surgiu o Fundamentalismo Cristão.

A "CRIAÇÃO" DO CRIACIONISMO MODERNO

Dizer "criação" é certamente um exagero, visto que nada é criado, e sim, transformado. Mas o que podemos chamar de nascimento do Criacionismo Moderno e Contemporâneo foi uma transformação radical, que num retorno à ortodoxia religiosa pretendeu enrijecer ainda mais as bases de um pensamento que vinha sendo flexibilizado pelos ventos da mudança dos novos tempos.

Rejeitando a simples idéia de que a sociedade deva mudar seus valores, nem mesmo aqueles sexistas, etnocêntricos e fóbicos com relação a segmentos religiosos menos favorecidos, era objetivo desse novo movimento Fundamentalista se apegar à velha idéia de imutabilidade, e considerando que, apesar dessa idéia, as interpretações das doutrinas bíblicas também sempre mudaram com o tempo, decidiram descer a um pilar ainda mais fundamental. A literalidade do texto.

Desde o surgimento do cristianismo que os pensadores cristãos se aperceberam que a Bíblia tem que ser interpretada, caso contrário, como um todo, não faz sentido algum. No entanto, essa interpretação sempre mudou ao longo da história, ainda que dentro de alguns parâmetros mais ou menos estáveis. Não é preciso mais do que observar superficialmente o desenvolvimento do cristianismo através dos séculos para perceber isso.

Provavelmente, temendo o desenvolvimento de uma teologia mais complexa e avançada, mas por isso mesmo mais sujeita a mudanças, os fundamentalistas procuraram produzir a mais simples possível, e chegaram ao ponto de inventar o princípio da Inerrância Absoluta da Bíblia. Uma novidade histórica.

Ao contrário do que muitos pensam, a tradição cristã, em especial a católica, nunca viu a Bíblia como inerrante em matérias naturalistas. Os fundadores da Igreja por exemplo, cientes de que a visão bíblica de mundo é de uma Terra Plana, já advertiam que a interpretação de diversas passagens que descreviam o mundo deveriam ser interpretadas de forma simbólica e poética. Com a Gênese não foi diferente. Não é a toa que após a Revolução Biológica a Igreja Católica foi uma das que menos apresentou resistências ao evolucionismo, resguardando, porém, o núcleo doutrinário que garante o lugar da criação divina, o advento da consciência humana, que, de fato, permanece uma caixa preta praticamente sem chance de uma explicação científica convincente.

Já esses novos Fundamentalistas Cristãos Norte Americanos lançaram a idéia de que a Bíblia deve ser lida LITERALMENTE, que é INFALÍVEL e INERRANTE em cada detalhe do que diz, e assim, não havia outra coisa a fazer com a Gênese a não ser interpretá-la ao pé-da-letra. A forma mais simples possível de leitura, acessível até mesmo à uma criança recém alfabetizada.

Jamais será possível entender qualquer coisa sobre o movimento criacionista caso se perca de vista seu fundamento primário. A idéia de que a Gênese deve ser lida desprezando ao máximo qualquer dimensão poética, simbólica ou hermética, em especial dos capítulos 1 ao 19. (Tema do texto Desrespeito à Gênese)

Remova esse pressuposto, e tudo o edifício conceitual criacionista desaparece.

A ORIGEM DE NOVAS ESPÉCIES DE CRIACIONISMO

Tenhamos em mente agora que estamos chamando de Criacionismo esse movimento norte americano do início do século XX. Tudo o que este sempre pretendeu foi monopolizar a explicação das origens do universo, da vida e dos seres humanos. Por isso podemos identificar seu primeiro momento.

O PRIMEIRO ESTÁGIO
CRIACIONISMO MITOLÓGICO
Proibição do Evolucionismo

Essa primeira fase é caracterizada pela pura e simples leitura literal da Gênese como explicação para as origens, ignorando qualquer forma de explicação alternativa. Não havia diálogo com a ainda recente tradição evolucionista. Os poderes políticos locais onde o fundamentalismo cristão era forte simplesmente criaram leis para proibir o ensino do Evolucionismo.

O exemplo mais famoso é o Butler Act, do estado do Tennessee, que dizia basicamente: "É ilegal para qualquer professor em qualquer Universidade, Magistérios e qualquer outra escola pública do Estado que seja suportada total ou parcialmente por financiamento educacional do Estado, o ensino de qualquer teoria que negue a estória da Criação Divina do homem como ensinada na Bíblia, e em seu lugar ensine que o homem descenda de uma espécie inferior de animais."

A lei, de 1925, tem esse nome devido a seu criador, o fazendeiro John Washington Butler (1875-1952), que era "deputado" local na "Câmara" representativa do estado. Ele admitia não conhecer coisa alguma sobre Teoria da Evolução, mas estava convencido de que ela era perigosa.

Verdade seja dita, não era uma lei muito severa. Previa no máximo uma multa de 500 dólares para o infrator, ainda que naquela época esse valor fosse relativamente bem maior do que é hoje. De qualquer modo, a pena praticamente não chegou a ser aplicada devido a lei praticamente não ter sido violada. (Observe que ela não proíbe o ensino de evolucionismo em geral, mas sim somente a origem evolutiva humana.) Embora tenha sido objeto de debates e críticas em diversas instâncias jurídicas, ela só foi definitivamente removida da legislação estadual em 1967.

Mas foi desta lei que, em 1926, ocorreu o famoso episódio Scopes Trial, também conhecido como "Julgamento do Macaco". Onde o professor John Scopes, orientado pela União Americana pelas Liberdades Civis deliberadamente violou a lei para chamar atenção para o absurdo jurídico e educacional que a caracterizava. Episódio este que gerou repercussão mundial e inspirou o filme Inherit The Wind (Não é uma retratação fiel do caso, mas uma versão com várias alterações.)

Esses são os estados que conseguiram aprovar leis anti-evolução, embora outros tenham apresentado projetos não aprovados.

Não fosse o caso Scopes e toda a imagem negativa que causou nos estados que adotaram tais leis, que ficaram com a pecha de retrógrados em plena era de modernização, é possível que o Fundamentalismo Cristão tivesse ficado satisfeito com o modo como as coisas eram, e assim como estava bem adaptado às Igrejas, o Criacionismo ficasse estacionado em sua espécie jurídica.

Mas as leis não puderam impedir que a evolução continuasse a ser ensinada, e sem conseguir eliminar o evolucionismo das escolas, o Criacionismo só tinha uma opção: EVOLUIR!

O SEGUNDO ESTÁGIO
CRIACIONISMO "CIENTÍFICO"
Reivindicação de "Tempo Igual" ao do Evolucionismo

Ouso desafiar qualquer um a mostrar um único exemplo de alguém que tenha abandonado o cristianismo, ou deixado de se converter, por causa da Evolução Biológica ou qualquer outra questão naturalista. Mesmo assim os Criacionistas acham que a Teoria da Evolução é uma ameaça a sua fé, e então, para defendê-la, decidiram que ela não era suficiente. Não bastava a Bíblia, Deus e Jesus. A Fé precisava do apoio da Ciência.

O Criacionismo "Científico" é um conjunto de recursos argumentativos que visa mostrar que a Criação conforme entendida literalmente na Gênese é um evento que pode ser inferido por evidências na natureza, da mesma forma como a Evolução o é. Na verdade, vão mais longe. Apesar de nunca terem dado um único passo no estudo da natureza antes do evolucionismo, passaram a dizer que na verdade somente a criação era sustentada pelas evidências.

Evidentemente, é um ponto de partida bem complicado, pois EVOLUÇÃO, sendo TRANSFORMAÇÃO, é um FENÔMENO FACILMENTE OBSERVÁVEL. Pode não ser fácil observar uma longa série de transformações, e é evidentemente impossível observar toda a série de transformações ocorrida nos bilhões de anos passados. Mas isso não muda o fato de, em algum nível, EVOLUÇÃO É FATO. Se suas consequências estão sendo exageradas, é uma outra discussão.

Por outro lado, CRIAÇÃO NÃO É OBSERVÁVEL EM NÍVEL ALGUM! Não se pode ver sequer uma Micro-Criação para supor uma Macro-Criação. Simplesmente não há Criação alguma, em lugar algum, e nem sequer pode ser concebida sem violar o Primeiro Princípio da TERMODINÂMICA.

Portanto, o fundamento primário da "Ciência" Criacionista é absolutamente inexistente. Uma suposição cuja única alegação não vem nem sequer da Bíblia, onde também NÃO EXISTE CRIAÇÃO A PARTIR DO NADA. Para qualquer linha de pensamento que se proponha entrar na definição de ciência, isso é mais do que suficiente para inviabilizar a empreitada.

Além do mais, isso explica porque de fato não há uma única proposição científica criacionista. O Criacionismo "Científico" é, basicamente, uma série de críticas ao modelo evolutivo, da quais parte vem do próprio evolucionismo, parte vem da filosofia, e a maior parte pura e simplesmente de inverdades acerca do modelo evolutivo.

Mais de 10 anos de experiência na área me permitem afirmar sem receio algum que mais de 90% do trabalho dos criacionistas "científicos" foi simplesmente promover uma gigantesca versão distorcida do Evolucionismo, para que fique fácil atacá-lo. E nisso, foram extremamente bem sucedidos. De fato, o que esses criacionistas chamam de "Teoria da Evolução" é uma colcha de retalhos de conceitos confusos que não faz sentido algum.

Perseguindo as origens do Criacionismo "Científico" podemos chegar ao livro The New Geology de George McCready Price (1870-1963), lançado em 1923, que advogava a Terra Jovem e o Dilúvio Global de um ponto de vista pretensamente naturalista.

Não era uma idéia nova, Thomas Burnet (1635-1715) já havia feito isso em 1681 na obra Sacred Theory of the Earth, onde pode-se notar muitas das idéias que até hoje permeiam a Geologia Criacionista, como depósitos subterrâneos de água e geologia plana antes do dilúvio, embora a obra de Burnet seja mais autêntica em relação à essência mitológica da Bíblia, reconhecendo sua origem a partir do Caos e localizando as águas originais do dilúvio acima do firmamento.

De qualquer modo, a obra de Price se tornou popular no meio religioso, servindo de referência a todo Criacionismo "Científico" subsequente. No entanto, ela só passou a ser de fato levada a "sério", como fonte de informações, pesquisa e suporte, a partir da década de 1950 (ainda que tenha sido usada pelos criacionistas no caso Scopes). E isso, obviamente, tem o único motivo de que somente a partir daí passou a ser preocupação dos criacionistas se articular de modo mais sofisticado a ponto de se lançar sobre a mídia secular e educação. (Essa história e contada com riqueza de detalhes em Quem são os "Cientistas" da Criação , de Lenny Flank, que apesar de ser um texto de 1995 é leitura OBRIGATÓRIA para qualquer um que queira abordar o assunto.)

Basicamente, os pais desse Criacionismo "Científico" são inequivocamente o engenheiro hidráulico Henry T. Morris (1918-2006), o teólogo John C. Whitcomb (1924-), e o bioquímico Duane T. Gish (1921-) que tive o prazer de conhecer pessoalmente, como relato em Meu Encontro com Duane T. Gish.

Morris, principalmente, produziu diversos livros de "Ciência" da Criação, que tinham a honestidade de assumir abertamente sua inspiração religiosa, deixando claro que a questão não era de simplesmente examinar evidência e tirar conclusões delas, mas sim partir do pressuposto da inerrância e literalidade da gênese, e então subordinar às evidências a esse pré conceito. Invocações à Deus, passagens bíblicas e o fervor religioso recheavam o livro, de modo completamente coerente com os objetivos criacionistas.

Foi Morris também o principal responsável pelas maiores instituições criacionistas já fundadas, no caso o Creation Research Society, em 1963, e o Institute for Creation Research, em 1972. Foi também o maior mentor por trás das iniciativas de introduzir o Criacionismo nas aulas de biologia das escolas estaduais, e defensor do famoso "tempo igual" para evolução e criação, que foi sumariamente rejeitado pela justiça.

O motivo da rejeição é o óbvio fato de que o Criacionismo "Científico" não se trata de ciência, mas sim de apologética religiosa, mesmo que, nos manuais produzidos para o ensino secular, se tenha tido o cuidado de suprimir a maior parte dos conteúdos abertamente teísticos e bíblicos. Como, no entanto, foi impossível disfarçar o teor religioso proselitista, isso levou ao outro motivo que é o simples fato de, sendo os EUA um país oficialmente laico, não pode patrocinar nem favorecer religião alguma por meio do aparelho estatal, que era exatamente a intenção dos criacionistas.

Esse tema é exaustivamente debatido em diversas fontes para merecer maior atenção aqui. O ponto que quero demonstrar é que essa espécie de criacionismo tentou se adaptar para sobreviver e prosperar no meio educacional, e embora não tenha conseguido plenamente, pode avançar para além do âmbito mais restrito da espécie criacionista anterior, visto que ao menos mobilizou seus defensores no sentido de se articular com recursos retóricos cientificizados, os incentivando a estudar um mínimo do que entendem por ciência com objetivo de fortalecê-lo.

Infelizmente, porém, isso não levou os criacionistas a estudarem e se informarem seriamente sobre evolução. A maioria esmagadora apenas conheceu a versão brutalmente distorcida criada para causar repúdio nos estudantes cristãos. Os poucos que de fato a estudaram em fontes evolucionistas sérias, ou o fizeram com o objetivo de distorcê-la, alimentando a versão espantalho, ou tentando encontrar pontos vulneráveis. Muitos destes, terminaram por descobrir que a teoria evolucionista é muito mais coerente do que pensavam, e acabaram sofisticando seu criacionismo, elevando-o a um nível mais competente, o que contribuiu para que este evolua para o próximo estágio.

Enfim, enquanto o criacionismo anterior pretendia eliminar diretamente o evolucionismo, sem nenhuma condolência e pela pura e simples força autoritária, este, o Criacionismo "Científico", pretendia competir com ele, no terreno educacional extra religioso.

O TERCEIRO ESTÁGIO
CRIACIONISMO "FILOSÓFICO"
Desqualificação do Evolucionismo como Ciência

Antes é preciso prevenir um frequente equívoco cometido por leigos. O fato de uma nova espécie surgir de uma espécie anterior não faz com que necessariamente a anterior seja extinta. Há inúmeros exemplos de espécies estáveis evolutivamente há tempos suficientemente longos para terem várias espécies derivadas. O mesmo pensamento deve ser aplicado aqui.

O desenvolvimento de novas formas de criacionismo não significou o abandono das formas anteriores. Todas as espécies de criacionismo continuam vivas e atuantes, embora algumas tenham perdido destaque, mesmo porque uma espécie qualquer só pode ser extinta:

1 - Mediante uma radical mudança de ambiente, o que é claro que não ocorreu, e tendo em vista o crescimento do fundamentalismo cristão, não parece que ocorrerá tão cedo;

2 - Ou talvez pela competição de um adversário mais bem adaptado, o que já aconteceu no campo científico há mais de um século, mas não poderia, por uma questão de características ambientais, acontecer nos campos religiosos;

3 - Ou talvez por algum fato equivalente a uma epidemia, cataclisma ou coisa que o valha, para os quais deixemos de lado analogias.

O que nos interessa é mostrar que esse novo criacionismo não irá eliminar o antigo, mas poderá estar em maior evidência, e nesse caso, trata-se de uma curiosa inversão total de conceitos. Foi demonstrado juridicamente aquilo que é cientificamente consolidado e filosoficamente claro, que o Criacionismo não pode ser Ciência, e não pode deixar de ser uma Ideologia religiosa. Para todos os efeitos práticos, os criacionistas admitiram esse veredicto, tanto que o utilizaram em sua nova estratégia, que é acusar o Evolucionismo de ser da mesma natureza, isto é, uma CONSPIRAÇÃO IDEOLÓGICA, e não raro considerá-la como uma forma de "Religião Humanista".

Essa nova modalidade de criacionismo, não por acaso, irá se evidenciar na década de 1980, quando os criacionistas viram suas pretensões educacionais serem definitivamente frustradas. Dessa forma, partem para uma recuperação da velha estratégia, tentar impedir o ensino do evolucionismo. Não possuindo mais os poderes legais para uma simples proibição direta autoritária, tentaram então usar o mesmo argumento que os derrubou a seu favor, acusando o evolucionismo de não ser ciência, e como tal, também não poder ser ensinado em escolas.

Vemos aqui um expediente tão previsível quanto típico, acusar o adversário de ser exatamente aquilo que se é, uma "projeção" de conteúdos num alvo externo, conceito comum na psicologia, geralmente envolvendo elementos vistos como incômodos ou indesejáveis.

A simples coexistência com o segundo estágio já denota uma tensão, visto que ao mesmo tempo em que se afirma um Criacionismo "Científico" se nega um Evolucionismo Científico, mesmo equivalendo ambos como tendo um objeto de estudo igualmente inobservável (o que já vimos ser falso). Mas tal postura contraditória é nada mais que natural para quem está acostumado a acreditar em punição perpétua no inferno e infinita bondade divina ao mesmo tempo.

Diferente dos estágios anteriores, porém, há algo de válido no cerne dessa abordagem. É que evidentemente cabem críticas filosóficas ao modelo evolucionista, e a qualquer modelo científico, mas a Biologia tem a especialidade de ser uma área científica menos matematizada e mais voltada a sistemas complexos que as demais ciências naturais, o que torna uma teoria tão vasta e histórica como a Teoria da Evolução singular entre as demais teorias científicas. (A Estrutura da Revolução Biológica)

Ademais, essa nova forma de Criacionismo permite trazer para dentro do debate elementos e pensadores de peso, como Filósofos da Ciência e Epistemólogos, fazendo as críticas ao modelo evolutivo irem muito além das meras propostas teológicas e de críticas ingênuas de teor científico, ou mesmo desonestas. Exatamente por essa complexidade maior, no entanto, pode-se dizer que essa forma de criacionismo é muito menos popular que a anterior, e normalmente está quase sempre atrelada a outras. Em especial a próxima, a qual ajudou muito a se desenvolver.

Infelizmente, a maior repercussão foi baseada na acusação de o evolucionismo ser uma forma de religião, e se o estado não pode subvencioná-la, não poderia ela ser ensinada em escolas. Alguns exemplos foram os casos Segraves (1981) e Peloza (1994).

O QUARTO ESTÁGIO
DESIGN INTELIGENTE
Pretensão de Inclusão em Currículos Escolares

Assim como os estágios ímpares são similares, o são também os pares. Essa nova espécie de "criacionismo", que literalmente seria um Evolucionismo Teísta, ou Deísta, tem o mesmo fundamento conceitual e pretensões do Criacionismo "Científico". Se constituir em forma de proposta científica ocultando suas conexões religiosas, e lograr êxito ao concorrer com o Evolucionismo.

Muitíssimo mais sofisticado que seu ancestral primitivo, o Design Inteligente obteve notável sucesso em sua primeira pretensão, conseguindo esconder eficientemente sua origem religiosa por uma década, embora a segunda jamais tenha sido levada a sério, devido a sua fraqueza conceitual inviabilizar qualquer competição com o neodarwinismo.

Essa nova espécie não deveria ser considerada um produto "natural" da mera evolução sócio cultural espontânea, visto que foi deliberadamente projetada. O movimento é praticamente fundado em 1992, com o lançamento da Estratégia da Cunha, que deu diretamente origem as publicações mais famosas sobre o tema, e que já abordei em Evolução e Ética. Como Conspiração foi totalmente desmascarada em suas intenções, e já rejeitada também pela justiça norte americana em sua pretensão pedagógica. Episódio notavelmente retratado no vídeo Judgement Day - Inteligente Design on Trial (original em Inglês com legendas opcionais e transcrição também em inglês), que também tem uma versão com legendas em português no YOUTUBE, embora esteja editado e tenha qualidade de imagem inferior.

Diferente também da espécie número 2, o DI trouxe uma novidade incomparável, que é o conceito de Complexidade Irredutível, cujo o fundamento na realidade foi criado pelo próprio Darwin como potencial falsificador de sua teoria, mas que só agora viria a ganhar um nome mais específico. Tal conceito é abordado por mim em dois textos Complexidade Irredutível e o Argumento do Relógio, de teor mais informal, e em As Caixas-Pretas de Behe, parte de minha Monografia de conclusão de curso.

Tal conceito merece algum destaque por não ser, seguramente, uma mera remodelagem dos velhos argumentos do desígnio ou das velhas falácias típicas do criacionismo "científico". É diferente dos argumentos tolos, e também recentes, do Filtro Explanatório ou do Aumento da Informação, que não passam de formas rebuscadas de se dizer a mesma coisa que a própria Bíblia diz em "Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos." Salmos [19:1], que também já encontra uma forma ligeiramente mais ornamentada com o próprio Paulo de Tarso em "Pois os seus atributos invisíveis, o seu eterno poder e divindade, são claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas," Romanos [1:20]

Daí, São Tomás de Aquino, e William Paley foram apenas alguns que criaram novos formatos para o Argumento do Desígnio, ou Argumento Teleológico, embora no caso com um teor de Cosmológico. Melhor seria dizer Argumento CosmoTeleológico.

Também o são Michael Behe, William Dembsky ou Philip E. Jonhson, mas o primeiro, criador do conceito de Complexidade Irredutível, apresenta sua variação de um modo mais elegante, por utilizar um conceito que se comunica mais diretamente com questões bioquímicas, e que se apresenta como um falsificador real, enquanto os demais apenas enfeitam suas petições de princípio.

Isso porém nada pode fazer pelo DI enquanto possível concorrente científico do evolucionismo, pois seu conceito, além de possuir fraquezas estruturais, precisa encontrar um exemplo factual que o suporte, e todos os sugeridos por Behe em seu livro A Caixa-Preta de Darwin são facilmente refutáveis.

Além do mais, falta ao DI exatamente aquilo que também falta ao Criacionismo "Científico", que é uma pura e simples teoria. De nada adianta apontar falhas no modelo evolutivo se não forem propostas soluções para as mesmas, e o DI até agora não apresentou uma única proposição científica a não ser um conceito falho e inaplicável, além de um mero apelo à comunidade científica para que proclame a existência de um designer.

Muitos de seus adeptos admitem flagrantemente essa deficiência, mas sugerem que o campo ainda está em desenvolvimento. Curiosamente, o grande mentor do DI, Philip E. Johnson, criador da Estratégia da Cunha, após o julgamento na cidade de Dover (Judgement Day - Inteligente Design on Trial) acabou por assumir que não apenas não há teoria como nem sequer vai haver, conforme disse em entrevista aos produtores do documentário.

Q: Então, o que o Design Inteligente diz a respeito de como a vida foi criada e como chegamos a biodiversidade que vemos hoje?

Johnson: Bem, a alternativa não está bem desenvolvida, então eu prefiro dizer que, até onde eu sei a opção é que nós não sabemos o que realmente aconteceu. Mas se a não-inteligência não pudesse ser capaz de fazer todo o trabalho, então a inteligência tem que estar envolvida de algum modo. Assim, é um grande trabalho de pesquisa descobrir as consequências dessa hipótese.

Q: Como vocês esperam testar a existência de um designer? Qual o programa de pesquisa?

Johnson: Eu gostaria de começar pela primeira questão. Algumas vezes se diz que a hipótese de que há um designer não é testável. Isso é falso. É testável, e o teste é a Evolução Darwiniana. A tese dos biólogos evolucionários é de que causas não inteligentes fizeram todo o serviço. Se eles podem prová-lo, então a contra hipótese de que é preciso inteligência foi testada, e se mostrou falsa.

Mas o que eu concluí após pesquisar a literatura foi que a tese de que processos não inteligentes foram capazes de fazer todo o trabalho da criação, das criaturas mais simples até as mais complexas, não é suportada. A evidência para isso repousa entre muito fraca e inexistente. Quando você tenta obter uma prova, você tem estórias sobre microevolução. In Defense of Intelligent Design

Ou seja, os DIstas não tem proposta científica alguma. Nada que sirva para melhorar nosso conhecimento sobre como a vida evoluiu, como a natureza funciona, ou que tipo de benefício podemos extrair dela. Em síntese, ele é negativo, apostando suas fichas na esperança de que o evolucionismo não consiga fazer o que vem fazendo há um século e meio, funcionando.

A dicotomia de Jonhson já é falsa, não é questão do evolucionismo afirmar que somente causas não-inteligentes construíram o mundo que conhecemos, mas sim de que somente causas desse tipo podem ser estudadas e entendidas, e precisamos investigar com aquilo que temos, pois é impossível estudar causas inteligentes sem ao menos uma idéia do que é e como funciona essa inteligência.

Se tivesse lido pelo menos o último livro de Harry Potter, Johnson teria aprendido que é absurdo basear uma crença na simples inexistência de sua prova negativa. O fato de ninguém ter provado que não existe Deus não faz com que ele automaticamente exista.

Johnson acredita no Designer porque não se provou que ele não existe, o que é na verdade impossível, pois não importa o quanto a ciência avance, ela JAMAIS irá ter todas as respostas, e os DIstas sempre terão no que se agarrar, pois acham que para refutar o planejamento inteligente o evolucionismo teria que explicar quark por quark todo e cada incomensuravelmente pequeno detalhe de cada um dos infinitos eventos que compõem a totalidade do universo. Crença que ele compartilha com Michael Behe, que pergunta "Como exatamente?" infinitamente, não importa quantos níveis de explicação sejam dados.

Além do mais, ele ainda fala sobre 'provas'. É curioso que ele não sinta necessidade alguma nem de provar, nem de fornecer qualquer evidência, jogando no adversário toda a responsabilidade por isso. E, ainda mais estranho, diz que seria "...um grande trabalho de pesquisa descobrir as consequências dessa hipótese."

Mas onde está esse trabalho?! Quais são as pesquisas?! Ir mais adiante em seu texto pode ajudar a esclarecer.

Q: Qual é a evidência do Design Inteligente?

Johnson: E se o mecanismo darwiniano não tiver o poder criativo que alega ter? Então, alguma outra coisa tem que ser verdadeira. São dois lados de uma mesma moeda, do modo que eu vejo, e por isso sempre dediquei minhas energias para fazer uma investigação cética sobre o Darwinismo. Outros têm evidências de natureza positiva, Complexidade Irredutível e Informação de Complexidade Especificada são parte delas.

(...)

Q: O Design Inteligente é uma ciência?

Johnson: Penso que sim. Para responder a isso preciso voltar ao ponto em que veja a questão científica como uma escolha entre duas hipóteses. Uma em que você precisa de inteligência para a criação que foi feita na história da vida, e a outra em que você não precisa. Então a abordagem científica é decidir entre essas duas hipóteses com base na evidência e na lógica. É o que eu quero ver sendo feito. É por isso que é uma questão científica. Se a evolução por seleção natural é uma doutrina científica, então a crítica a esse doutrina, e mesmo da premissa fundamental em que se baseia, e parte legítima da ciência.

Ele parece ignorar o fato de que a crítica tem que ter uma abordagem científica, e não apenas apostar numa moeda e ficar sentado esperando que a mínima dificuldade do adversário sirva como prova do seu ponto de vista. É muito cômodo apresentar minha 'teoria' de que não existe Força Gravitacional, e dizer que ela é corroborada pelo fato da física atual não conseguir detectar o gráviton. E daí para frente empurrar qualquer alegação.

A questão que fica é: POR QUE OS DISTAS SE RECUSAM A TEORIZAR SOBRE O PLANEJADOR?

Abordemos ao final. Aqui, basta entender que esta quarta espécie de criacionismo apresentou um grau de adaptação maior, com capacidade para se reproduzir em diversos ambientes. Visto que a idéia de um Evolucionismo Teísta é esmagadoramente popular, não foram poucos os membros de outras religiões, como os Kardecistas, ou mesmo teístas seculares, que foram receptivos ao Design Inteligente. Eu mesmo o fui.

Na realidade, a grande maioria das pessoas, inclusive dos cientistas, é evolucionista teísta, não tendo qualquer dificuldade em lidar com a idéia de uma inteligência guiando o processo evolutivo.

Essa nova espécie de criacionismo, então, foi notável por sua capacidade mimética, se camuflando e se infiltrando em nichos onde antes o Criacionismo "Científico" jamais poderia adentrar. Inúmeras pessoas de boa fé foram enganadas por essa proposta que se pretendia 'desinteressada' mas depois se revelou nada menos que uma conspiração conservadora e fundamentalista, apenas esperando a oportunidade certa para, após conseguir uma mão, tentar puxar o braço todo.

O QUINTO ESTÁGIO
O Futuro do Criacionismo

Qual será a próxima espécie de criacionismo? Espécie esta que, certamente, já começou a surgir. Vamos colocar as espécies já surgidas numa árvore evolutiva, para fins de ilustração.

Em amarelo temos as espécies que pretenderam COMPETIR com o evolucionismo. Simulacros de ciência que pretendem negar sua fundamentação religiosa. Foram réus nos processos judiciais que protagonizaram, sendo ambos condenados como não aceitáveis no currículo escolar.

Em ciano temos as espécies que pretenderam CENSURAR o evolucionismo, quer seja a nível legal, penal, ou meramente administrativo. Foram agentes nos processos judiciais que promoveram, na tentativa de impugnar ou restringir o ensino de evolucionismo nas escolas.

Todas são descendentes de um Criacionismo Puro, original, que é a mera e perfeitamente autêntica versão mitológica, que jamais deixou de existir, apenas não chamando muita atenção uma vez que nunca se lançou diretamente contra o conhecimento científico.

A primeira espécie é a única que pode ser dada como "extinta" na maior parte dos ambientes do mundo ocidental. Embora talvez, isso seja prematuro afirmar. NÃO TENHO A MENOR DÚVIDA, que havendo oportunidade, que poderia ter se concretizado na regência fraudulenta e fundamentalista de George W. Bush, e ainda pode ocorrer num hipotético governo Sarah Palin, os fundamentalistas cristãos não hesitariam um só segundo em proibir novamente o ensino de evolucionismo, se o contexto político fosse favorável. Afinal, não é a toa que há um tremendo esforço de se expandir sua representação legislativa, assim como há no Brasil, e todos os clamores de considerar o país uma Nação Cristã não tem outro objetivo a não ser teocratizar o máximo possível o governo.

A segunda espécie está claramente viva e atuante, ainda que tenha sofrido algum desgaste, PRINCIPALMENTE PELA CONCORRÊNCIA com a 4, pois mesmo espécies aparentadas, e mesmo indivíduos de uma mesma espécie, competem entre si. Esse Criacionismo "Científico" se aperfeiçoou muito, talvez até mais no Brasil do que nos EUA, a julgar pelo competente site da Sociedade Criacionista Brasileira, que representa um claro exemplo de que é possível aliar a religiosidade com uma boa qualidade científica, e superar as maiores dificuldades pela desenvoltura filosófica. Ainda, é claro, que esteja sempre sujeito à má herança genética recebida, onde monstruosos remanescentes arcaicos ainda podem se encontrados para o horror das espécies mais refinadas.

A terceira, que é mais legítima, teve pouca penetração, visto que suas investidas judiciais ficaram restritas a esferas locais e ou não tenham chamado muita atenção da mídia. Certamente, o maior feito desta espécie foi conseguir obrigar, em alguns locais, a adicionar uma advertência no livros de biologia, a exemplo do caso Selman vs. Cobb County (2004), no estado da Georgia, onde a advertência dizia "Este livro contém material sobre evolução. Evolução é uma teoria, não um fato, a respeito da origem das formas de vida. Esse material deve ser abordado com uma mente aberta, cuidadosamente estudado, e criticamente considerado."

Por fim a quarta espécie, sendo a mais recente, ainda está em nítida e maior evidência, embora já deixe claros sinais de enfraquecimento não somente dado a seu desmascaramento e derrota judicial, mas porque a contradição explícita entre se pretender como teoria científica e não apresenta teoria alguma já está por demais evidente para não incomodar.

Seria de se esperar que o Quinto Estágio seguiria a afinidade dos seus ancestrais ímpares, bem como poderia ocorrer uma tendência a fusão. De fato, é o que sugerem abordagens recentes, em especial baseadas em teoria da informação, que está sistematicamente contaminando quase toda a produção criacionista recente, que desafia os evolucionistas a fornecer exemplos de processos evolutivos que possam resultar em "Acréscimo de Informação" ao DNA. Essa abordagem tem como grande representante o ISCID - International Sociecty for Complexity, Information and Design, que absorveu quase todos os membros que espertamente saíram do Discovery Institute.

Também reúne, é claro, a herança do Design Inteligente, incluindo seus dois maiores expoentes: Michael Behe e William Dembsky, e pode-se notar que seu ataque à evolução é muitíssimo mais sutil e especializado, reunindo também alguns Filósofos da Religião, entre eles se destaca Alvin Plantinga. A maior parte de sua abordagem, e qualquer abordagem da Informação em geral, é baseada numa mistura de petição de princípio com falsa analogia, quase totalmente concentrada no simples conceito de informação, que numa significação comum evidentemente pressupõe inteligência, mas não no sentido em que costuma ser usado na genética.

Se tal nova espécie de criacionismo, ou talvez baste dizer agora, anti-evolucionismo, irá protagonizar qualquer episódio juridicamente notável, ainda não se sabe.

O CRIACIONISMO E SUA HISTÓRIA JURÍDICA

Cabe agora recapitular a história do criacionismo nos tribunais, por meio dos casos mais famosos, onde pode-se notar claramente sua evolução. Lembrando que nas espécies Ímpares os evolucionismo era réu, e nas Pares o criacionismo.

1
Proibição do
Evolucionismo
2
Criacionismo
"Científico"
3
Crítica
"Filosófica"
4
Design
Inteligente
Scopes 1925
Tennesse
Epperson 1968
Arkansas
-
-
-
Daniel 1975
Tennesse
Hendren 1977
Indiana
MacLean 1981
Arkansas
Edwards 1987
Louisiana
Webster 1990
Illinois
-
-
-
-
-
-
-
Segraves 1981
California
-
-
-
Peloza 1994
California
Freiler 1997
Louisiana
Rodney 2000
Minesota
Selman 2005
Georgia
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Kitzmiller 2005
Pennsylvania

A evolução é mais que evidente. No começo temos os Professores John Scopes, "Julgamento do Macaco", e Susan Epperson que basicamente desafiaram as leis antievolutivas de seus estados, sendo então processados. O caso Scopes foi a única vitória do criacionismo, embora com nítido sabor de derrota, visto que a penalidade imposta a Scopes acabou sendo invalidada, e a repercussão do caso praticamente penalizou a iniciativa conservadora. O último chegou a Suprema Corte, que terminou por determinar a extinção de qualquer lei anti-evolução no país.

Todos os casos da espécie 2 envolveram a introdução de Criacionismo "Científico" nos conteúdos programáticos de escolas, resultando em ações que apontavam a inconstitucionalidade da medida, visto que violava a separação Estado/Religião.

Na terceira espécie temos pessoas que sentiram suas crenças religiosas serem ofendidas pelo ensino de evolucionismo, tanto de alunos que não queriam aprender quanto professores que não queriam ensinar. Moveram ações baseadas no pressuposto de que evolucionismo é uma 'religião'. E o fato de um dos casos ocorrer no mesmíssimo ano de 1981 onde outro caso usava o argumento absolutamente oposto, isto é, de que Criacionismo era tão ciência quanto Evolucionismo, é apenas uma manifestação da contradição estrutural do criacionismo.

Enfim, os casos de 2005 envolveram ambos uma declaração obrigatória de que Evolucionismo era "apenas uma teoria..." nos livros escolares, sendo que no caso Kitzmiller não só ainda foi proposto o DI como uma alternativa como ainda foram disponibilizados gratuitamente exemplares do livro Of Pandas and People como suporte bibliográfico. (Curiosamente, os livros foram comprados por dirigentes da escola com dinheiro de doações de fiéis das igrejas, visto que o conselho escolar não aprovou orçamento para sua compra, e então doados anonimamente ao mesmo tempo que os próprios declararam não saber quem os doou!)

De qualquer modo, esse quadro evolutivo mostra não apenas a modificação das formas de criacionismo, como também mostra sua crescente capacidade de adaptação a ambientes mais amplos do que o mero Bible Belt sulista norte americano. Comparado com o mapa anterior, acima, vemos que...

...os estados que aprovaram leis anti evolução estavam entre o Oklahoma, Kentucky e Florida (Sudeste), mas agora vemos que as contendas judiciais se espalharam, e o mais notável, a espécie 3 no extremo norte, em Minnesota, bem como no extremo oeste, Califórnia. Já a 4 atingiu a Pennsylvania. Isso é um claro sinal da capacidade adaptativa das espécies mais evoluídas, que passaram por maior quantidade de mudanças, de atingir novos nichos ambientais.

SINTETIZANDO

Tudo nos leva a conclusões seguras. O Criacionismo é basicamente um movimento conservador que, comprometido com a literalidade da Gênese, reage à novidade por todos os meios disponíveis. Fica claro que se ainda fosse possível puramente proibir o ensino de evolução nas escolas, simplesmente o Criacionismo "Científico" e seus outros descendentes jamais teriam vindo a existir, pois as espécies evoluem sempre de acordo com o ambiente, e caso o mesmo se estabilize, qualquer modificação tende a ser descartada pela Seleção Natural.

Como porém o ambiente está frequentemente mudando, assim como muda a geografia ao longo da história natural, as variações terminam por se diversificar e se adaptar a novos ambientes, o que, mais uma vez, não implica em que as anteriores desapareçam, a não ser que seu ambiente original também o faça. E é óbvio que no caso do Criacionismo isso nem passou perto de acontecer.

Como a mera proibição da evolução não foi mais possível, os criacionistas não tiveram outro remédio a não ser se disfarçar de cientistas para tentar disseminar suas idéias retrógradas, até chegarmos ao atual DI e derivados, que apesar da diferença superficial, no fundo, carregam na bagagem genética o mesmo propósito, impedir ao máximo possível que o evolucionismo seja acessível aos estudantes.

Isso por si só demonstra que qualquer pretensão científica do criacionismo é e sempre será uma fraude. Uma pele artificial para ocultar sua essência, que é a pura ortodoxia religiosa do fundamentalismo cristão norte-americano. Que tal fraude tenha enganado muitos cristãos de boa fé, e até não cristãos, era inevitável, e que parte da discussão tenha até sua utilidade, é esperável. Mas somente uma completa falta de noção histórica, científica, teológica e filosófica pode permitir a alguém acreditar que há no criacionismo qualquer intenção cientificamente genuína.

Também notamos, porém, uma distinção entre a evolução criacionista e o modelo darwiniano. É que enquanto na natureza a vida evolui de modo a não aparentar propósito algum, é evidente que o criacionismo é guiado por um propósito "inteligente". Mas talvez, essa "inteligência" não seja tão distinta das forças provavelmente cegas da Seleção Natural.

Primeiro porque apesar de haver uma unicidade por trás de todo o movimento criacionista, há também um série de conflitos internos de objetivos. Há vertentes distintas, designações distintas e alguns desacordos que inviabilizam uma unidade total. O texto Quem são os "Cientistas" da Criação relata algumas das naturais divergências entre os próprios criacionistas que prejudicaram sua união. Isso, é claro, acontece em qualquer outra área e contexto, e o resultado é que apesar de movido por propósitos intencionais, eles acabam substituindo uma direção precisa por um amontoado de pretensões que tendem a maior quantidade de caos, aproximando sua evolução de uma evolução natural e fundamentalmente caótica.

Segundo porque apesar de intencional, a "inteligência" desses propósitos é tão questionável quanto a suposta inteligência que os criacionistas querem ver na natureza, que em inúmeros casos mais pareceria resultado de um Designer péssimo, brincalhão ou mesmo perverso. Puxar briga com os cientistas, os juristas, os educadores etc, para tentar forças suas crenças religiosas no meio secular é no mínimo insensato. Principalmente quando as mesmas se baseiam em teologias que já são internamente desastrosas, como a pura e simples interpretação pretensamente literal da Gênese.

Claro que os criacionistas tem uma explicação para o aparente design na natureza ser tão imperfeito, e é exatamente para esconder essa explicação que temos a resposta de POR QUE OS DISTAS SE RECUSAM A TEORIZAR SOBRE O PLANEJADOR.

É simples. O método utilizado por Darwin para desenvolver sua teoria foi hipotético dedutivo. Isto é, ele primeiro parte dos dados da natureza, como se faz em qualquer ciência, tenta distinguir uma padrão nesses dados, e então formula hipóteses para explicá-los. Dessa hipótese deduz consequências e verifica se elas se encaixam com os dados obtidos, e prevê fatos que poderão ou não ser confirmados. Muitas hipóteses podem ser descartadas até que uma se conforme com os dados, e então será frequentemente testada para ver se é corroborada ou falseada, e é assim que a maioria das teorias científicas funciona.

Para que o DI, ou o Criacionismo "Científico" fossem ciência, teriam que seguir basicamente esse método. Isso torna inevitável levantar hipóteses sobre o Planejador, e testar os dados de modo a conformá-la ou não. O problema é que se fizerem isso, ficará evidente que nada mais farão do que empurrar o deus bíblico pela porta dos fundos. Vejamos por quê.

1 - O MENOR DOS PROBLEMAS é que se por um lado podemos ter certeza de que algo foi projetado, nunca teremos se não o foi. Ninguém acreditará que uma escultura de barro com a forma perfeita do Cristo Redentor foi formada apenas pela erosão e pelas chuvas, mas por outro lado uma coisa completamente disforme, típica das montanhas ou das pedras, além de poder ser resultado de ações naturais, TAMBÉM PODE SER RESULTADO DE AÇÃO INTELIGENTE! Temos a Arte Moderna e Abstrata para não deixar dúvidas quanto a isso.

Por isso, se partirmos da hipótese de que a vida não foi planejada, essa hipótese poderá ser testada, pois bastará achar uma coisa suficientemente perfeita para fazer esse teste, como os próprios criacionistas admitem. Mas se partirmos da hipótese contrária, de que a vida foi planejada, nunca poderemos testá-la, pois como já vimos, qualquer evidência em contrário também poderá ser resultado de design.

2 - Os grandes problemas começam quando notamos que temos que trabalhar sempre com hipóteses de planejamentos locais. Se acharmos algo que nos convença ser obra de inteligência, só podemos admitir que AQUILO em si foi projetado, pois se admitirmos isso para tudo o mais, pelo motivo acima, qualquer desenvolvimento teórico seria inviabilizado. Assim, é perfeitamente possível que tenhamos estruturas projetadas e não projetadas convivendo no mundo, e isso nos permitiria apenas pressupor um designer restrito.

Se achássemos que o sistema imunológico é intencionalmente projetado, teríamos que considerar a intervenção apenas nesse caso, visto que diversos outros sistemas não são tão eficientes, e o simples fato de que seria muito mais plausível que seres inteligentes tenham tentado aumentar nossas chances de sobrevivência fazendo apenas isso, do que seres que tivessem feito tudo construiriam doenças e depois o sistema imunológico, tendo o dobro de trabalho. Planejamento PRESSUPÕE eficiência.

3 - Disso, quer sejam inteligências extraterrestres de ordem natural ou mesmo divindades específicas, permitiriam supor sempre planejadores imperfeitos, o que aliás tenderia a ser fortemente corroborado pelas evidências disponíveis. Talvez de vários planejadores trabalhando em áreas diferentes, as vezes até em conflito uns com os outros.

Mas é claro que isso não interessa aos criacionistas, pois eles querem empurrar o deus bíblico, que é supostamente perfeito, e aí ficará a pergunta: Como explicar a imperfeição na criação de um ser perfeito?

4 - Aí, essa suposta nova ciência imediatamente se revelará a velha teologia, pois a explicação inevitável é que um ser perfeito projetou tudo, mas algum evento introduziu a imperfeição no mundo, o que resultaria em todas as irregularidades, defeitos e até perversões. Estaremos então de volta ao problema clássicos da teologia cristã, que explica a corrupção da criação devido ao pecado original mas caí perpetuamente nas contradições da Existência do Mal e da Onipotência, Onisciência X Livre Arbítrio, Justiça Divina X Inferno Perpétuo e etc.

Ou seja, qualquer tentativa de teorizar sobre o designer gerará ou uma teoria sobre um planejador imperfeito que não interessa ao criacionismo, ou desmascarará instantaneamente qualquer véu de honestidade científica, deixando claro que tudo não passa de reafirmação do velho conservadorismo religioso.

O fato de ser impossível fazer qualquer coisa útil com esse impasse em nada incomoda os criacionistas, que não estão mesmo preocupados nem um pouco em contribuir com o que quer que seja para o avanço do conhecimento. Tudo que eles querem é que suas idéias se infiltrem no meio secular. Se hoje os cientistas se mostram céticos quanto à existência de planejamento intencional, caso eles se mostrassem favoráveis, isso aumentaria muito a probabilidade do cristianismo estar cientificamente justificado.

Mesmo que surgisse uma teoria de "designer imperfeito" honesta, os criacionistas já a utilizariam como "evidência" a seu favor, afinal, já estão acostumados a distorcer dados científicos extremamente desfavoráveis para lhes servirem. Se já estão tentando forçar a ciência na direção de uma subordinação à religião mesmo sendo ela tão distante, imagine o que fariam se ela desse um passinho em sua direção? Imagine o que aconteceria se inúmeros cientistas de renome começassem a cada vez mais afirmar que há indícios de planejamento inteligente na natureza?

Passariam então para a campanha de mostrar que o tal planejador tem tais e tais características, e se conseguissem, mostrar que é o deus da bíblia, ainda que enfrentando concorrência com possíveis outras denominações religiosas, até por fim empurrarem sua ortodoxia inteirinha.

Esse é o criacionismo, essa é sua história e sua evolução. E pelo menos nesse caso, ela não é nada cega. Pode falhar nos meios questionáveis, mas sabe muito bem onde quer chegar.

Marcus Valerio XR
Março - 20 de Julho de 2009

As Caixas-Pretas de Behe
A Criação do Evolucionismo


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